sexta-feira, 16 de julho de 2010

A seleção natural nos Alpes franceses


Professores de biologia da oitava série deveriam sempre usar a segunda semana do Tour De France para exemplificar o conceito de seleção natural.

Depois de uma semana onde os sprinters (velocistas) fizeram a festa e ganharam todos os estágios, o Tour passeou pela fronteira da França com a Suíça, ou seja, exatamente na cadeia de montanhas que separa as duas nações. As subidas castigaram os sprinters, mas filtraram bem a disputa pela camisa amarela. “Só os mais fortes sobrevivem.”

Vamos ao que aconteceu em cada dia dessa semana.

O primeiro desafio dos ciclistas nos Alpes franceses partiu de Tournus no último sábado, percorrendo 165,5 km até Station des Rousses. Os sprinters não resistiram às fortes subidas de categoria 2 (veja no pé da postagem uma explicação das categorias de subida) e passaram a ocupar a rabeira do pelotão. O então líder geral Fabian Cancellara (Saxo Bank) entrou no sétimo estágio com 20 segundos de frente, mas terminou a etapa com mais de 14 minutos de atraso. O francês Sylvain Chavanel (Quick Step), que havia se desgarrado do pelotão durante o estágio, suportou bem a subida e não foi alcançado pelo restante do grupo. Ele colocou uma ótima diferença de 57 segundos para o segundo colocado e cerca de 1:40 para o pelotão. Muita festa na chegada em Station des Rousses, ao ver um francês vencer o estágio e pegar a camisa amarela.

Chavanel herdara a camisa da mesma forma que no estágio 2, ou seja, apostando todas as fichas em uma fuga e não foi alcançado após isso. Mas ele também a perdeu exatamente da mesma maneira. Duas subidas de categoria 1 foram suficientes para fazer o francês chegar mais de 11 minutos atrasado. Para a tristeza de sua legião de fãs, Lance Armstrong (Radioshack) sofreu duas quedas durante o percurso e praticamente deu adeus ao sonho do oitavo título do Tour. O grupo que contava com o atual campeão do Tour Alberto Contador (Astana), o atual campeão mundial Cadel Evans (BMC) e o jovem Andy Schleck (Saxo Bank) chegou inteiro para os quilômetros decisivos - uma subida - mesmo depois das fortes subidas anteriores. Ousado, o luxemburguês Schleck não temeu os campeões e pedalando forte conseguiu vencer a etapa, com 10 segundos de frente para os dois. Como estava 30 atrás de Evans na classificação geral, o australiano ficou com a amarela e Schleck em segundo. Contador, no terceiro posto, teve 1:41 de atraso.

Na segunda-feira, descanso. Porque no dia seguinte...

Duas subidas de categoria 1 e uma HC esperavam pelos ciclistas nos 204,5 km entre Morzine-Avoriaz e Saint-Jean-de-Maurienne. Pelo terceiro estágio consecutivo a camisa amarela mudou de mãos. Evans também não suportou as subidas e levou oito minutos de atraso para cruzar a linha. Ele chorou horrores ao terminar a prova. Mas o grande momento do dia foi protagonizado por Schleck e Contador. Durante a escalada de 27 km na subida do Col de la Madeleine (2.000m de altitude), os dois travaram um duelo épico. Não temendo a falta de perna nos quilômetros finais, eles subiam com toda a força, se atacando e alternando posições a todo instante. No fim, a briga entre os dois continuou, mas quem levou a etapa foi um dos que haviam se desgarrado do pelotão no início da etapa, o francês Sandy Casar (Française des Jeux). Schleck e Contador chegaram dois segundos depois, juntos. Com o atraso de Evans, Schleck ficou com a camisa amarela e Contador, 41 segundos a mais, ficou em segundo.

No décimo estágio, um percurso metade plano, metade montanhoso, mas com apenas uma subida de categoria 1 muito curta. Após uma etapa duríssima no dia anterior, as equipes concordaram em adotar uma estratégia comum: abdicar de alcançar a fuga e manter um ritmo único para o pelotão. Ninguém queria se expor a maiores riscos. Isso facilitou a vida dos seis atletas da fuga. O vencedor foi o português Sergio Paulinho (Radioshack), sendo o primeiro português a vencer uma etapa do Tour desde 1989. Após Paulinho cruzar a linha, o pelotão levou mais de 14 minutos para fazer o mesmo. Nenhuma alteração na classificação geral.

No estágio 11, uma interrupção nas metas de montanha. Os sprinters agradeceram! Com apenas uma “mera” subida de categoria 3 no princípio do percurso, sobravam cerca de 130 km de estradas planas, ou até mesmo leves declives. Assim como na primeira semana, várias equipes protagonizaram uma bela disputa nos dez quilômetros finais, visando trazer seus sprinters para a reta final. Mas ninguém melhor para vencer do que sprinter mais veloz do planeta, o britânico Mark Cavendish (HTC Columbia). Com outro sprint final extraordinário, ele conseguiu colocar uma vantagem de duas bicicletas para o segundo colocado e vencer seu terceiro estágio no Tour deste ano. Mas nada que mudasse muita coisa na disputa pela camisa amarela.

Na sexta-feira, um estágio em sua maioria plano, mas com uma subida de categoria 2 e quase 10% de inclinação na pior colocação possível – nos cinco quilômetros finais. O pelotão só foi alcançar a fuga depois de 205 km, nessa subida final, o Col de La Croix Neuve. Ali, Contador e Schleck ainda se encontravam juntos, em ritmo baixo, mas o atual campeão “deu o bote” e pegou o jovem Schleck de surpresa. O espanhol se desgarrou do pelotão na subida e Schleck não teve pernas para persegui-lo. Com o ataque, Contador chegou até a ultrapassar o líder do estágio, o compatriota Joaquin Oliver Rodriguez (Katusha), porém, depois de um ataque como aquele, Contador foi presa fácil para Rodriguez no sprint final. Shcleck chegou dez segundos depois e manteve a camisa amarela. Mas a diferença dele para Contador caiu para apenas 31 segundos. Em uma semana inteira, é pouco provável que o espanhol não faça essa diferença evaporar facilmente.

De leste a oeste, o Tour chega agora à cadeia de montanhas que separa França e Espanha. Os temidos Pirineus. Após uma etapa plana neste sábado, de domingo a quinta-feira (com folga na quarta-feira), o grupo encontrará muitas subidas de categorias 1 e HC. Após o estágio 17, as coisas se tranqüilizam, com uma etapa plana, um contra-relógio que certamente será o diferencial para a definição do campeão e, no domingo, um dia de festa em Paris, onde quem estiver vestido de amarelo ao cruzar a Champs-Élysées, será aclamado o grande campeão do Tour de France 2010.

Categorias de subidas



No TDF, as subidas são categorizadas por, entre outros fatores, sua inclinação. São quatro categorias onde quanto menor o número, mais íngreme é a subida. Há também as subidas que alcançam mais de 1.500 m que não se encaixam nessas categorias e são chamadas de HC (“hors catégorie” no francês, “fora de categoria” no português).

- Categoria 4: a menor, com subidas que culminam em alturas de 70 a 150m;
- Categoria 3: subidas de 150 a 500m;
- Categoria 2: subidas de 500 a 800m;
- Categoria 1: subidas de 800 a 1500m;
- Fora de categoria (HC): as maiores, com subidas de 1500m para cima.

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